terça-feira, 19 de março de 2024

Professor Paulo Tarcísio Bomtempo

Professor Paulo Tarcísio Bomtempo

 Cheguei na Escola Agrícola de Rio Pomba (EARP) no dia 07 de março de 1965, um domingo seguinte ao carnaval. Tinha eu 12 anos. Um menino bobo do interior, bobo até hoje, mas menos bobo pelos ensinamentos que tive neste grande educandário da terra do Dr. Último de Carvalho.

Na Escola Agrícola de Rio Pomba o aluno tinha direito a moradia, alimentação, atendimento médico e odontológico, sala de enfermagem, vestuário completo (uniforme de gala e para o do dia-a-dia, macacão para trabalho de campo, sapatos, botinas, coturnos, roupa de cama, cobertor, lençóis, toalhas) e lavanderia. Tinha biblioteca, estudo dirigido. Uma disciplina rígida, com hora para dormir, acordar, alimentar-se, estudar e práticas esportivas.

            O quadro de funcionários contavam com mestres agrícolas, ferreiro, dentistas, médicos, enfermeiros, bibliotecários, cozinheiros, auxiliar de nutrição, guardas, inspetores de alunos, serventes, trabalhadores de campo, eletricista, mecânico, carpinteiro, sapateiro, pedreiro, datilógrafo, motorista, tratorista, escriturário, assistente social, entre outros.

            Os professores eram engenheiro civil, agrônomo, laticinista, zootecnista, advogado, médico, dentista, ex-padre, bioquímico.

E dentre estes Mestres tinha um jovem rapaz, talvez o mais jovem professor da incipiente Escola, com 25 anos, formado na "Cândido Tostes", o Lacticinista Paulo Tarcísio Bomtempo. Ele era o responsável por lecionar Zootecnia e Indústrias Rurais, duas disciplinas do currículo escolar.

A Zootecnia surgira na França, por volta de 1848, e foi definida por Émile Baudement como “a ciência aplicada que estuda e aperfeiçoa os meios de promover a adaptação mais completa do animal à sua produção dentro de um determinado meio criatório deste àquele”.

O primeiro Curso de Zootecnia, no Brasil, foi criado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em 1966. E “Zootechnia” e “Industrias Ruraes” eram frutos do Decreto nº 8.319, de 20/10/1910, promulgado pelo governo de Nilo Peçanha, na República Velha, quando criou-se o “Ensino Agronômico”.

Por ser jovem, nativo de Rio Pomba, cheio de ideias e ideais, o dinâmico Professor Paulo BOMTEMPO levou, com entusiasmo, os seus alunos para os caminhos dessas ciências.

Naquela tempo a “coqueluche” para produção leiteira, era uma boa VACA HOLANDESA, nada a ver com o amigo Ronaldo de Piraúba. O animal devia ter um porte esguio, membros fortes, porém finos, úbere volumétrico e bem implantado, sistema mamário bem desenvolvido com vasos sanguíneos bem proeminentes, sobretudo próximos ao úbere. Uma pelagem malhada de preto, com malhas brancas e pretas distribuídas, num modelo constituído de três manchas pretas, uma que abrange a cabeça e o pescoço, uma no tronco e uma terceira na parte posterior do animal. Essas manchas pretas não deviam descer nos membros abaixo do joelho, pois isto significaria defeito para o padrão racial.

E me marcaram as definições de Genótipo (constituição genética de uma célula, organismo ou indíviduo) e do Fenótipo que é a exteriorização do genótipo. A interação entre genótipo e fenótipo pode ser resumida em: genótipo + ambiente à fenótipo.

E lá ia o Professor Paulo Bomtempo, com competência, mostrar a teoria na prática levando os seus alunos a visitar exposições e outras instituições de ensino. Lembro-me de uma viagem a Juiz de Fora. Fomos ao Instituto de Laticínios Cândido Tostes assistir a uma aula/palestra do Professor Lucena, afamado Zootecnista. Montamos no lombo de um caminhão e fomos vivos e voltamos mais vivos ainda, com novas informações do saber. Bons tempos sem a frescuragem do “politicamente correto” quando se podia andar, sossegadamente, num “pau-de-arara”.

Também nos levou até à cidade de Barbacena. E durante os preparativos para a viagem, algum aluno gaiato, sempre tem um gaiato, lembrou que o pai do Reinaldo Lima Silveira era dono de um posto de gasolina. E insinuou que ele poderia dar o combustível para a viagem. O Reinaldo aproveitou a oportunidade e disparou o trocadilho inocente: “Meu Pai tem Posto, aí?”

O nosso Mestre, Bomtempo, que prezava e mantinha o respeito na sala de aula, de imediato repreendeu, severamente, o Reinaldo. Mas mágoas não ficaram, tanto que o Bomtempo é o Padrinho de casamento do Reinaldo e este o tem na mais alta estima. É só perguntar lá no Posto Ipiranga, propriedade do meu amigo “Risadinha”, que ele confirma a veracidade.

Até hoje recordo com admiração o ensino de “Indústrias Rurais”, pela nobreza e filosofia de ensinar ao agricultor, lavrador e fazendeiro o reaproveitamento econômico da sua produção agropecuária. Uma adaptação matuta da Lei de Lavoisier na roça nada se perde, tudo se pode transformar”. Assim o leite excedente, ou não, vai virando queijos, iogurtes e manteiga. Milho mudando para fubá, farinha, pamonha e fécula. Frutas se transformando em sucos, polpa, licores, aguardente.

Mas de todas as revoluções químicas, ocorridas nas “Indústrias Rurais”, a mais inesquecível metamorfose sucedia-se na fabricação do doce-de-leite sob a batuta do Maestro Paulo Bomtempo, um craque. Não há um aluno, daquela época, que não tenha na memória gustativa o sabor indizível do doce-de-leite feito na Escola. Todos queriam raspar o tacho. Eu raspei.

Jovem e atleta o Professor Bomtempo gostava de praticar o Basquete. E era dos bons. Quando se construiu a pequena Quadra de Esportes, em 1971, incentivou os alunos a praticar este esporte tão popular nos EUA. Um dos alunos que mais se destacou foi o saudoso Zé Ribeiro.

A esta quadra, a direção do Colégio Agrícola de Rio Pomba ficou de dar o nome de “Antônio Teixeira das Graças”, nosso saudoso Canarinho. Não sei se cumpriram esta promessa.

Não conheço a origem, história e saga da Família Bomtempo. Deixo esta tarefa para o nosso escritor Francisco Bomtempo de Oliveira, Kiko para a família e Batatão para os colegas do CARP.

Mas sei que BOMTEMPO enfrenta qualquer PARADA e até a ORTOGRAFIA ao intrometer um “M” antes de “T”, quando aprendemos com o Padre Geraldo e o Professor Ubirajara Pinto de Deus que “antes de consoante só se usa o “M” quando forem as letras  P” e “B”.

O Luiz Alberto Gravina promoveu um encontro de ex-alunos em Guidoval, minha terra natal. E deu o nome de Primeiro GuidoAgrícola. O Encontro foi na Praça principal da cidade. E neste dia, 23/07/2016, acontecia um Festival Gastronômico na praça. Bomtempo deslocou-se de Rio Pomba para ir ao evento dos ex-alunos do CARP.

Com a praça lotada de estranhos o nosso querido professor não achou nenhum conhecido, mas viu dois caboclos conversando. Espichou o ouvido e escutou:

- Cumpade, vamos brincá di antônimo?

- O que cê falô?

- Brincá di antônimo, sô! Qué dizê, uma coisa contrária da otra! Por exemplo: arto e baxo, forte e fraco!

- Ah, intindi tudim agora! Intão, vamu brincá!

- O que vai valê??

- Uma cerveja... Eu  começo, tá?

E os dois mineirinhos começaram a brincadeira:

- Gordo?      

- Hômi?

- Preto?

- Verde?

- Magro!

- Muié!

- Branco!

- Verde?

- Uai, verde? Verde tem esse tar de antônimo, não!

- Craro que tem!

- Intão explica, sô!

- Maduro!

- É mesmo, sô! Perdi a aposta! Vâmu di novo, valendu ôtra cerveja? Mas dessa veiz eu cumeço!

- Pódi cumeçá!

- Saúde?

- Moiádo?

- Duença!

- Seco!

Aí o matuto pensou “Agora cê me paga fiudumaégua! Qué vê só?”

E fala:

- Fumo?

- Não, não! Peraí... fumo num tem antônimo!!

-Craro qui tem, uai!

- Intão, diz aí, qualé o antônimo di fumo?

- Essa é fácil, sô...Vortemo!

 

Claro que é só uma piada, mas daí vê-se o bom humor do nosso Mestre. Este causo ele me contou agora no último encontro, no dia 01/12/2018.

Aliás, ele participou de todos os nossos três Encontros em Rio Pomba. O primeiro, em 03/12/2016, ele fez uma bela oração, uma adaptação do “Pai Nosso”. E mesmo “chargeado” pelo Nicodemos, “que estava pra lá de Bagdá” não perdeu o “aplomb”. Abraçado ao ex-aluno fez a sua prece, passou a sua mensagem.

Assim como outros professores, Paulo Bomtempo dedicava, parte da sua energia, sem remuneração adicional, participando, à noite, do “estudo dirigido” no Colégio. Como me disse a fabulosa Maria Marotta, era para que nós, de uma escola que estava dando os primeiros passos, tivéssemos as mesmas condições de igualdade em comparação com outros educandários já estabelecidos há muito mais tempo como o “Cândido Tostes” e o CTU (Centro Técnico Universitário) de Juiz de Fora e o “Colégio Agrícola Diaulas Abreu” em Barbacena. E posso afirmar que estes bravos Mestres conseguiram alcançar este objetivo.

Hoje, a Escola se transformou num Campus. Alunos se destacando nas mais variadas áreas. Citarei alguns, peço, de antemão, perdão aos que não forem citados, pois ficaria um texto sem fim.

Temos grandes Empresários, Fazendeiros, Técnicos, Médicos, Comerciantes, Corretores de Imóveis, Engenheiros, Funcionários Públicos, Advogados, Professores como o Robson Sól Corrêa de Sá e Francisco de Paula Soares (Chiquinho Mól) Filho, Secretários de Estado como o Fernando (Ganso) Mendes Lamas e David Araújo Leal, Diretor Patrimonial como o Dilermando Duarte Álvarez Vieira, o Tonca (Antônio Carlos Gomes de Souza), expert em fabricação de sucos e polpas (Indústrias Rurais), o Cacá (Dr. Carlos Eugênio Martins) um dos maiores especialistas do país em Gado Leiteiro (Zootecnia). Uma babel de profissões, mas, sobretudo um ról de cidadãos, trabalhadores e honestos.

Agora, recentemente, telefonei para a sua esposa Dona Maria Therezinha Bomtempo para saber notícias do Professor Bomtempo. Com muita simpatia e lucidez, ela me disse que o Paulo pratica natação. Nada, todo dia, no seu sítio, dois mil metros.

Há algum tempo ele ganhou de presente uma Iogurteira, com isto mantém o hobby de fabricar iogurte para presentear amigos e familiares.

Disse-me mais. Que têm cinco filhos, sendo quatro mulheres e um homem, que seguiu os passos do pai e é Professor, querido e admirado, no IFET. E que estes seus filhos lhe deram sete netos.

Através de Dona Therezinha e do amigo CARPIANO José Soares Furtado (Dezinho) fiquei sabendo que o pai do nosso Professor, o Sr. Chiquito Bomtempo possuía uma fazenda a uns 3 km do centro da cidade e foi Juiz de Paz de Rio Pomba, por muitos e muitos anos.

 

Professor Paulo Tarcísio Bomtempo, um homem que não envelheceu com o tempo. Ficou melhor, como os bons vinhos.

 

Mesmo depois de passados mais de meio século, permanecem as boas lembranças.

O que o fizeste para centenas, milhares de alunos, não tem preço, não há como pagar, somente a GRATIDÃO para amortizar esta dívida impagável.

Esta é a nossa singela homenagem a um GRANDE MESTRE.

Que DEUS continue iluminando, abençoando e protegendo você e toda a sua Família!

Parabéns pelos 80 anos de uma Vida Digna e Exemplar!

Felicidades, Saúde e Paz!

 

“Obrigado, pois além nos ensinar, você nos preparou para os desafios da vida!”

 

Alunos do Colégio Agrícola de Rio Pomba

- 31/03/2019 -