CANARINHO
Antônio Teixeira das Graças nasceu
na cidade de Tocantins. De família muito humilde, os seus pais, José Teixeira
da Costa e Maria Cocate Teixeira, exerciam a agricultura na zona rural do
município.
Aos 12 anos, em 1965, ingressou na Escola Agrícola de Rio Pomba. Devido
aos seus cabelos loiros apelidaram-no, carinhosamente, de CANARINHO.
Tímido, retraído, refugiava-se nos
estudos e figurava entre os primeiros alunos da classe. Mesmo sendo da terra do
grande Esporte Clube Itararé de grandes craques como o Caburito, Genaro e
Jarbas, Canarinho não gostava de
jogar futebol. Preferia ler e estudar.
Relacionava bem com todo mundo, mas com
o carioca David e o "melense"
Tafuri formaram um inseparável trio de amigos. Sempre juntos nos momentos de
lazer, caminhadas, devaneios e estudos.
Estudamos juntos por quase sete anos.
Formamos em Mestre Agrícola em 1968.
E, imediatamente, iniciamos o curso de Técnico
Agrícola recém-implantado no agora Colégio
Agrícola de Rio Pomba.
Como todo bom mineiro, Canarinho também desejava ver o mar. E
o David propiciou-lhe a realização desta quimera. Levou ao Rio de Janeiro,
às praias cariocas. E nelas, Canarinho, esqueceu-se da vida olhando
o vai-e-vem das ondas, mas o sol não se esqueceu do mineiro branquelo, quase um
albino. E castigou-lhe a pele causando queimaduras de primeiro e segundo grau.
Nem a inclemência do astro-rei
apagou-lhe as boas lembranças vividas no feriado e proporcionadas pelo David na
cidade maravilhosa.
Em 1971, no último ano do curso,
todos tínhamos planos e muitos sonhos. No vigor dos nossos 18, 19 ou 20 anos
almejávamos um futuro promissor.
Muitos planejavam continuar os
estudos, fazer um curso superior. E conseguiram. Outros, inclusive eu e a
maioria dos alunos, teriam que procurar um trabalho. Os pais não podiam o custear
um curso superior aos filhos.
Apesar dos "anos de chumbo" imposto pela
ditadura militar, o país vivia um suposto "milagre econômico". O fato é que existia pleno emprego. Só não
trabalhava quem fosse vagabundo. Não era o caso dos alunos do CARP.
O diploma de Técnico Agrícola ao Canarinho lhe proporcionaria um emprego
digno e representaria a redenção econômica para a sua Família que tinha grandes
dificuldades financeiras.
Abril de 1971, foi um mês de muitos feriados. A Semana Santa ocorreu entre os dias 4 (Domingo de Ramos) e 11 (Domingo de Páscoa). O Feriado de 21 de
abril (Dia de Tiradentes) foi numa
quarta-feira.
Era comum emendar feriados. É
provável, não tenho certeza, pois já se passaram mais de 45 anos, que o feriado
prolongou-se até o domingo dia 25. Mas isto não vem ao caso.
O que eu sei é que no dia 26 de
abril, uma segunda-feira, Canarinho
voltava de Juiz de Fora onde fora fazer exames médicos. Uma possível úlcera
castigava-lhe o estômago. A
condução que o transportava deixou no Trevo. E ele começou a descer a via de
acesso ao Colégio.
O grande amigo David Araújo Leal, conta
de suas lembranças que "Ele convidou a mim e ao Tafuri para
visitarmos o pai dele que estava internado, não lembro com certeza se era JF ou BH. Infelizmente, preferimos ficar na Escola. Na sua volta para Rio
Pomba pegou carona com o professor Bomtempo. Chegando no trevo ele insistiu com
o professor para deixá-lo que ele iria andando até na Escola. Já era noite e
ele caminhava pelo acostamento quando um caminhão transportando leite foi
ultrapassar uma kombi e pegou o Canarinho..."
Foi isto. No caminho foi atropelado
por um caminhão. De repente, uma tragédia abateu-se sobre o Colégio. A primeira
notícia era que uma rapaz loiro tinha morrido atropelado. Ainda não se sabia o
nome. E surgiram especulações. Todo aluno que tinha cabelos loiros era um
possível um acidentado. E lembrava-se de um, de outro. Recordo que foram
mencionados o Luiz Américo Ferreira (de Guidoval) e do Celso (Cachaço) de
Tocantins. Até eu, que tinha uma pequena faixa, uma mecha de cabelo louro, fui
citado.
Até que chegou uma notícia
verdadeira. Era o nosso querido CANARINHO.
Consegui, recentemente, no Cartório de Rio Pomba, a "Certidão de Óbito" e transcrevo algumas das informações:
Solteiro: 20 anos
Data de
falecimento: 26 de abril de 1971
Horário: 18:45
Causa da Morte:
Esmagamento crânio encefálico, acidente veículo automotor
Local: Rodovia,
neste distrito de Rio Pomba
Declarante:
Wilson José de Melo
Médico que atestou o óbito:
Henrique Dias Filho
Sepultamento:
Cemitério de Tocantins
O acidente que tirou a vida do Canarinho torpedeou a nossa crença da imortalidade dos jovens. O Colégio
emudeceu. A algazarra costumeira nos dormitórios deu lugar a um triste zumbido
nos nossos pensamentos.
O enterro foi no dia seguinte, 27/04/2016, uma
terça-feira, em Tocantins. O diretor do
Colégio Plínio Tostes Alvarenga, ditatorialmente, só disponibilizou transporte
para os alunos da classe do Canarinho.
Mas todos os alunos do Colégio quiseram, queriam e
conseguiram prestar a última homenagem póstuma ao Canarinho. E foram para beira da rodovia pegar carona para cidade
vizinha. E seguiram viagem em carroceria de caminhões, ônibus, camionetes,
carros de passeio. A escola ficou vazia.
A procissão do enterro com tantos jovens chorando pelas
ruas da cidade de Tocantins tocou a
população impressionada com a comoção que tomou conta dos jovens CARPIANOS.
Após a solenidade do sepultamento, bondosas famílias
tocantinense acolheram os anônimos jovens, famintos e sem dinheiro, em suas
residências dando-lhes almoço, lanches e consolo cristão.
A morte sempre traz tristezas, mas quando é a de um jovem
com um futuro imenso pela frente, a dor é mais cruel, mais pesada,
incompreensível, inexplicável.
Após o enterro os alunos retornaram ao Colégio com um pensamento
sólido em suas mentes "queriam que
fosse decretado LUTO e as aulas interrompidas por uma semana".
O intransigente diretor Plínio não se sensibilizou com a
dor de seus alunos. Estes, enfurecidos,
como um turba, sem uma liderança específica, ao encontrar o diretor em seu
veículo chegando ao Colégio, interceptaram-no e começaram a balançar o carro
com o propósito de virá-lo. Só não conseguiram devido a pronta atuação dos
"guardas de alunos" e de alguns alunos mais moderados.
Mas ali naquele tumulto, os alunos do terceiro aluno, sem
assembleia, decidiram por conta própria decretar o LUTO e ir para as suas casas e só retornar na outra semana.
Foi um "deus nos acuda". À noitinha, começamos
a fazer as nossa malas e mochilas. E fomos para a rodoviária da cidade de Rio
Pomba em busca de um ônibus ou uma condução para irmos para a nossa casa.
Os nossos professores sabiam da encrenca em que estávamos
nos metendo. E foram para a Rodoviária tentar nos demover da tresloucada
atitude.
Os nossos grandes Mestres, a quem até hoje lembramos com
deferência, não conseguiram nos convencer a voltar para o colégio.
Não gosto da expressão,
apelido, "pintos de granja",
mas se éramos "pintos de granja" naquele dia, naquela hora, naquele
instante nos transformamos em "Galos
de Briga". Galo Índio, disposto a lutar até a morte.
Dos trinta e dois alunos da nossa sala de aula, apenas
dois não saíram e permaneceram na Escola. Na época, os outros trinta, deram um "gelo"
neles por alguns meses. Depois passou a raiva e, mutuamente, nos perdoamos. PERDOAR É MELHOR DO QUE JULGAR.
Na nossa sala tinha alunos de diversas
cidades: Curvelo, Rio de Janeiro, Mercês, Ubá, Guiricema, Piraúba, Antônio
Carlos, Rodeiro, Belo Horizonte, Guarani, Alto Rio Doce, Astolfo Dutra, Araponga,
Rio Pomba e Tocantins.
O Tampinha (José Fernandes da Silveira), de Inhapim, por
morar longe e sem recursos para
viajar para a sua cidade, ficou na casa da sua Madrinha. Disse antes, num texto
anterior, que a Dona Cecília era a sua madrinha. Mas agora ao recordar estes
fatos, me bateu uma dúvida, podia ser a Dona Marisa a sua madrinha. Pena que o
Tampinha não esta mais entre nós para desfazer estas e outras dúvidas.
Assim, o Tampinha ficou em Rio Pomba.
E sofreu pressão direta do diretor. A intimidação de que seria expulso do
Colégio no ano da formatura. Não restou ao Tampinha outra alternativa a não ser
retornar ao Colégio.
João Coelho e eu fomos para Guidoval,
nossa cidade. E de lá recebemos um telegrama, do Colégio, informando uma
espécie de anistia pela rebeldia e indisciplina. Que os alunos não seriam
punidos, desde que voltassem até o dia determinado. E a direção do Colégio
informava que permitiria a abertura do Grêmio Literário, que a Quadra de
Esportes, em fase final de construção, levaria o nome de "Antônio Teixeira das Graças", o
nosso saudoso CANARINHO.
E
assim os alunos do terceiro ano técnico retornaram o Colégio.
Conforme prometido, nenhum aluno foi
punido. O Grêmio Estudantil foi
aberto, o Tonca (Antônio Carlos Gomes de Souza) tornou-se o Presidente. Parece
que a Secretaria ficou com o João Reinaldo Leite Ribeiro, de Curvelo. Para tomar conta do dinheiro foi eleito o
"garrucheiro" Severino Rodrigues da Costa para a Tesouraria.
No dia 04 de dezembro de 1971 nos
formamos em Técnicos Agrícolas. Um
distante e tão perto 45 anos.
Na formatura prestamos
"Homenagem Especial" a:
Dr. Geraldo Luiz
Ribeiro
Dr. Ary Rezende
Dr. Mauro Marques
de Oliveira
Professora Maria Marotta
O
Paraninfo foi o insuperável Professor Aristóteles Ottoni Cardoso. O
TOTE.
O
Patrono foi o Diretor Dr. Geraldo Luiz Ribeiro
O
Orador da nossa Turma foi o Francisco de Paula Soares Mól Filho
Na
HOMENAGEM PÓSTUMA, lembramos de:
Antônio Teixeira
das Graças (Canarinho)
Marília Lúcia
Corrêa
Manoel Corrêa
Netto
Padre Gladstone
Batista Galo
Na
Programa da Formatura constava:
8,00 hs - Missa em Ação
de Graças no Colégio Agrícola de Rio Pomba
9,00 hs - Entrega dos
certificados
22,30 hs - Baile de Gala
(Convite especial)
A minha a última homenagem ao CANARINHO, em 1971, foi NÃO IR ao Baile
de Gala. Esta atitude, creio, que foi compartilhada por todos os alunos da
nossa classe. Não tenho certeza absoluta. Vou apurar melhor.
MUITO TEMPO DEPOIS, pesquisando sobre a Escola
/ Colégio Agrícola de Rio Pomba deparei com a excelente DISSERTAÇÃO da Dra. Rosana Vidigal
Santiago Cappelle "Por entre memórias e arquivos,
interpretações e teceduras: Um mergulho no passado do Centro Federal de
Educação Tecnológica de Rio Pomba/MG (1956 - 1968)" quando ela defendia
o seu MESTRADO.
NA DISSERTAÇÃO encontrei várias
informações que me foram úteis.
Por
exemplo, foram diretores da Escola/Colégio:
ü
Carlos
Martins Bastos (junho 1962 a janeiro de 1968)
ü
Plínio
Tostes Alvarenga (fevereiro de 1968 a maio de 1971)
Uma reportagem do
centenário jornal "O Imparcial" dizia que "a
gestão do Professor Plínio estava articulada com os ideais do movimento militar
de 1964, endossada pelo governo que assumira o poder."
E dizia ainda mais:
"Durante as
solenidades de inauguração de novas edificações na Escola, em discurso do General
Itiberê Gouvêa do Amaral (Comandante da 4ª Região Militar) ao referir-se ao
trabalho administrativo do Prof. Plínio na instituição, ele declara:
"Homens como Plínio Alvarenga , de há muito deveriam estar no comando
desta casa... De trabalhos fecundos e idealistas como este é que o Brasil há
muito carece. A revolução foi realizada
para garantir os que querem trabalhar com patriotismo e honestidade. (O Imparcial - 29/09/1968)"
E o que eu deduzi destas informações???
Que o Plínio era um
homem que servia aos ideais da ditadura. Então, a nossa percepção de que ele
era um ditador fazia todo o sentido.
E que um punhado de
"pintinhos de granja", apelido
que não gosto, quando resolveram se transformar em "Galos de Briga" conseguiram desbancar da direção do Colégio um
filhote da ditadura.
A morte do Canarinho foi
em abril/1971, o Plínio saiu em maio/1971.
JUNTOS, SEREMOS SEMPRE
MAIS FORTES.
Um CARPIANO não mente,
pode inventar, aumentar, florear, mas não mente jamais.
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