sábado, 3 de dezembro de 2016

CANARINHO



CANARINHO

            Antônio Teixeira das Graças nasceu na cidade de Tocantins. De família muito humilde, os seus pais, José Teixeira da Costa e Maria Cocate Teixeira,  exerciam a agricultura na zona rural do município.
            Aos 12 anos, em 1965, ingressou na Escola Agrícola de Rio Pomba. Devido aos seus cabelos loiros apelidaram-no, carinhosamente, de CANARINHO.
            Tímido, retraído, refugiava-se nos estudos e figurava entre os primeiros alunos da classe. Mesmo sendo da terra do grande Esporte Clube Itararé  de grandes craques como o Caburito, Genaro e Jarbas, Canarinho não gostava de jogar futebol. Preferia ler e estudar.
            Relacionava bem com todo mundo, mas com o carioca David e o "melense" Tafuri formaram um inseparável trio de amigos. Sempre juntos nos momentos de lazer, caminhadas, devaneios e estudos.
            Estudamos juntos por quase sete anos. Formamos em Mestre Agrícola em 1968. E, imediatamente, iniciamos o curso de Técnico Agrícola recém-implantado no agora Colégio Agrícola de Rio Pomba.
            Como todo bom mineiro, Canarinho também desejava ver o mar. E o David propiciou-lhe a realização desta quimera. Levou ao Rio de Janeiro, às  praias cariocas. E nelas, Canarinho, esqueceu-se da vida olhando o vai-e-vem das ondas, mas o sol não se esqueceu do mineiro branquelo, quase um albino. E castigou-lhe a pele causando queimaduras de primeiro e segundo grau.
            Nem a inclemência do astro-rei apagou-lhe as boas lembranças vividas no feriado e proporcionadas pelo David na cidade maravilhosa.
            Em 1971, no último ano do curso, todos tínhamos planos e muitos sonhos. No vigor dos nossos 18, 19 ou 20 anos almejávamos um futuro promissor.
            Muitos planejavam continuar os estudos, fazer um curso superior. E conseguiram. Outros, inclusive eu e a maioria dos alunos, teriam que procurar um trabalho. Os pais não podiam o custear um curso superior aos filhos.
            Apesar dos "anos de chumbo" imposto pela ditadura militar, o país vivia um suposto "milagre econômico". O fato é que existia pleno emprego. Só não trabalhava quem fosse vagabundo. Não era o caso dos alunos do CARP.
            O diploma de Técnico Agrícola ao Canarinho lhe proporcionaria um emprego digno e representaria a redenção econômica para a sua Família que tinha grandes dificuldades financeiras.
            Abril de 1971, foi um mês de muitos feriados. A Semana Santa ocorreu entre os dias 4  (Domingo de Ramos) e  11 (Domingo de Páscoa). O Feriado de 21 de abril (Dia de Tiradentes) foi numa quarta-feira.
            Era comum emendar feriados. É provável, não tenho certeza, pois já se passaram mais de 45 anos, que o feriado prolongou-se até o domingo dia 25. Mas isto não vem ao caso.

            O que eu sei é que no dia 26 de abril, uma segunda-feira, Canarinho voltava de Juiz de Fora onde fora fazer exames médicos. Uma possível úlcera castigava-lhe o estômago.         A condução que o transportava deixou no Trevo. E ele começou a descer a via de acesso ao Colégio.
            O grande amigo David Araújo Leal, conta de suas lembranças que "Ele convidou a mim e ao Tafuri para visitarmos o pai dele que estava internado, não lembro com certeza se era JF ou BH. Infelizmente, preferimos ficar na Escola. Na sua volta para Rio Pomba pegou carona com o professor Bomtempo. Chegando no trevo ele insistiu com o professor para deixá-lo que ele iria andando até na Escola. Já era noite e ele caminhava pelo acostamento quando um caminhão transportando leite foi ultrapassar uma kombi e pegou o Canarinho..."
            Foi isto. No caminho foi atropelado por um caminhão. De repente, uma tragédia abateu-se sobre o Colégio. A primeira notícia era que uma rapaz loiro tinha morrido atropelado. Ainda não se sabia o nome. E surgiram especulações. Todo aluno que tinha cabelos loiros era um possível um acidentado. E lembrava-se de um, de outro. Recordo que foram mencionados o Luiz Américo Ferreira (de Guidoval) e do Celso (Cachaço) de Tocantins. Até eu, que tinha uma pequena faixa, uma mecha de cabelo louro, fui citado.
            Até que chegou uma notícia verdadeira. Era o nosso querido CANARINHO. Consegui, recentemente, no Cartório de Rio Pomba, a "Certidão de Óbito" e transcrevo algumas das informações:
Solteiro: 20 anos
Data de falecimento: 26 de abril de 1971
Horário: 18:45
Causa da Morte: Esmagamento crânio encefálico, acidente veículo automotor
Local: Rodovia, neste distrito de Rio Pomba
Declarante: Wilson José de Melo
Médico que atestou o óbito: Henrique Dias Filho
Sepultamento: Cemitério de Tocantins

            O acidente que tirou a vida do Canarinho torpedeou a nossa crença da imortalidade dos jovens. O Colégio emudeceu. A algazarra costumeira nos dormitórios deu lugar a um triste zumbido nos nossos pensamentos.
            O enterro foi no dia seguinte, 27/04/2016, uma terça-feira,  em Tocantins. O diretor do Colégio Plínio Tostes Alvarenga, ditatorialmente, só disponibilizou transporte para os alunos da classe do Canarinho.
            Mas todos os alunos do Colégio quiseram, queriam e conseguiram prestar a última homenagem póstuma ao Canarinho. E foram para beira da rodovia pegar carona para cidade vizinha. E seguiram viagem em carroceria de caminhões, ônibus, camionetes, carros de passeio. A escola ficou vazia.
            A procissão do enterro com tantos jovens chorando pelas ruas da  cidade de Tocantins tocou a população impressionada com a comoção que tomou conta dos jovens CARPIANOS.
            Após a solenidade do sepultamento, bondosas famílias tocantinense acolheram os anônimos jovens, famintos e sem dinheiro, em suas residências dando-lhes almoço, lanches e consolo cristão.
            A morte sempre traz tristezas, mas quando é a de um jovem com um futuro imenso pela frente, a dor é mais cruel, mais pesada, incompreensível, inexplicável.
            Após o enterro os alunos retornaram ao Colégio com um pensamento sólido em suas mentes "queriam que fosse decretado LUTO e as aulas interrompidas por uma semana".
            O intransigente diretor Plínio não se sensibilizou com a dor de seus alunos.  Estes, enfurecidos, como um turba, sem uma liderança específica, ao encontrar o diretor em seu veículo chegando ao Colégio, interceptaram-no e começaram a balançar o carro com o propósito de virá-lo. Só não conseguiram devido a pronta atuação dos "guardas de alunos" e de alguns alunos mais moderados.
            Mas ali naquele tumulto, os alunos do terceiro aluno, sem assembleia, decidiram por conta própria decretar o LUTO e ir para as suas casas e só retornar na outra semana.
            Foi um "deus nos acuda". À noitinha, começamos a fazer as nossa malas e mochilas. E fomos para a rodoviária da cidade de Rio Pomba em busca de um ônibus ou uma condução para irmos para a nossa casa.
            Os nossos professores sabiam da encrenca em que estávamos nos metendo. E foram para a Rodoviária tentar nos demover da tresloucada atitude.
            Os nossos grandes Mestres, a quem até hoje lembramos com deferência, não conseguiram nos convencer a voltar para o colégio.
Não gosto da expressão, apelido, "pintos de granja", mas se éramos "pintos de granja" naquele dia, naquela hora, naquele instante nos transformamos em "Galos de Briga". Galo Índio, disposto a lutar até a morte.
            Dos trinta e dois alunos da nossa sala de aula, apenas dois não saíram e permaneceram na Escola. Na época, os outros trinta, deram um "gelo" neles por alguns meses. Depois passou a raiva e, mutuamente, nos perdoamos. PERDOAR É MELHOR DO QUE JULGAR.
            Na nossa sala tinha alunos de diversas cidades: Curvelo, Rio de Janeiro, Mercês, Ubá, Guiricema, Piraúba, Antônio Carlos, Rodeiro, Belo Horizonte, Guarani, Alto Rio Doce, Astolfo Dutra, Araponga, Rio Pomba e Tocantins.
            O Tampinha (José Fernandes da Silveira), de Inhapim, por morar longe e sem recursos para viajar para a sua cidade, ficou na casa da sua Madrinha. Disse antes, num texto anterior, que a Dona Cecília era a sua madrinha. Mas agora ao recordar estes fatos, me bateu uma dúvida, podia ser a Dona Marisa a sua madrinha. Pena que o Tampinha não esta mais entre nós para desfazer estas e outras dúvidas.
            Assim, o Tampinha ficou em Rio Pomba. E sofreu pressão direta do diretor. A intimidação de que seria expulso do Colégio no ano da formatura. Não restou ao Tampinha outra alternativa a não ser retornar ao Colégio.
            João Coelho e eu fomos para Guidoval, nossa cidade. E de lá recebemos um telegrama, do Colégio, informando uma espécie de anistia pela rebeldia e indisciplina. Que os alunos não seriam punidos, desde que voltassem até o dia determinado. E a direção do Colégio informava que permitiria a abertura do Grêmio Literário, que a Quadra de Esportes, em fase final de construção, levaria o nome de "Antônio Teixeira das Graças", o nosso saudoso CANARINHO.
E assim os alunos do terceiro ano técnico retornaram o Colégio.
            Conforme prometido, nenhum aluno foi punido. O Grêmio Estudantil foi aberto, o Tonca (Antônio Carlos Gomes de Souza) tornou-se o Presidente. Parece que a Secretaria ficou com o João Reinaldo Leite Ribeiro, de Curvelo.  Para tomar conta do dinheiro foi eleito o "garrucheiro" Severino Rodrigues da Costa para a Tesouraria.
            No dia 04 de dezembro de 1971 nos formamos em Técnicos Agrícolas. Um distante e tão perto 45 anos.
            Na formatura prestamos "Homenagem Especial" a:
Dr. Geraldo Luiz Ribeiro
Dr. Ary Rezende
Dr. Mauro Marques de Oliveira
Professora Maria Marotta

O Paraninfo foi o insuperável Professor Aristóteles Ottoni Cardoso. O TOTE.
O Patrono foi o Diretor Dr. Geraldo Luiz Ribeiro
O Orador da nossa Turma foi o Francisco de Paula Soares Mól Filho

Na HOMENAGEM PÓSTUMA, lembramos de:
Antônio Teixeira das Graças (Canarinho)
Marília Lúcia Corrêa
Manoel Corrêa Netto
Padre Gladstone Batista Galo

Na Programa da Formatura constava:
8,00 hs    - Missa em Ação de Graças no Colégio Agrícola de Rio Pomba
9,00 hs    - Entrega dos certificados
22,30 hs  - Baile de Gala (Convite especial)

            A minha a última homenagem ao CANARINHO, em 1971, foi NÃO IR ao Baile de Gala. Esta atitude, creio, que foi compartilhada por todos os alunos da nossa classe. Não tenho certeza absoluta. Vou apurar melhor.

MUITO TEMPO DEPOIS, pesquisando sobre a Escola / Colégio Agrícola de Rio Pomba deparei com a excelente DISSERTAÇÃO da Dra. Rosana Vidigal Santiago Cappelle "Por entre memórias e arquivos, interpretações e teceduras: Um mergulho no passado do Centro Federal de Educação Tecnológica de Rio Pomba/MG (1956 - 1968)" quando ela defendia o seu MESTRADO.
            NA DISSERTAÇÃO encontrei várias informações que me foram úteis.

Por exemplo, foram diretores da Escola/Colégio:
ü  Carlos Martins Bastos (junho 1962 a janeiro de 1968)
ü  Plínio Tostes Alvarenga (fevereiro de 1968 a maio de 1971)

Uma reportagem do centenário jornal  "O Imparcial" dizia que "a gestão do Professor Plínio estava articulada com os ideais do movimento militar de 1964, endossada pelo governo que assumira o poder."

E dizia ainda mais:

"Durante as solenidades de inauguração de novas edificações na Escola, em discurso do General Itiberê Gouvêa do Amaral (Comandante da 4ª Região Militar) ao referir-se ao trabalho administrativo do Prof. Plínio na instituição, ele declara: "Homens como Plínio Alvarenga , de há muito deveriam estar no comando desta casa... De trabalhos fecundos e idealistas como este é que o Brasil há muito carece. A revolução foi  realizada para garantir os que querem trabalhar com patriotismo e honestidade. (O Imparcial - 29/09/1968)"

E o que eu deduzi destas informações???

Que o Plínio era um homem que servia aos ideais da ditadura. Então, a nossa percepção de que ele era um ditador fazia todo o sentido.

E que um punhado de "pintinhos de granja", apelido que não gosto, quando resolveram se transformar em "Galos de Briga" conseguiram desbancar da direção do Colégio um filhote da ditadura.

A morte do Canarinho foi em abril/1971, o Plínio saiu em maio/1971.
JUNTOS, SEREMOS SEMPRE MAIS FORTES.

Um CARPIANO não mente, pode inventar, aumentar, florear, mas não mente jamais. 

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