Turma
1965 - Mestre Agrícola 1968
No dia
10/11/2019, assistindo o Programa "Tô
Indo", apresentado pelo Mário Freitas, na Globo Minas, deparei com uma
reportagem sobre a loja “Ave Palavra”
do Brasinha, uma Guardiã de
Lembranças na terra de Guimarães Rosa.
Aí começou a
girar a máquina do tempo, retroagiu, ativou a minha memória. Retornei aos
primeiros anos no Ginásio Agrícola de
Rio Pomba (GARP). Lá cheguei no mês de março de 1965. Passaram mais de 54
anos. A Escola iniciava o terceiro ano, consecutivo, de suas atividades. O
educandário recebia meninos de todos os cantos do país (Leia o ADENDO).
Dentre eles, o
Márcio Evandro
Rocha Machado um amigo desde os primeiros dias na Escola, a quem
dedico esta crônica. Nossas camas eram vizinhas no dormitório e as nossas
carteiras próximas na sala de aula.
Recordo que as
carteiras escolares não tinham gavetas, cadeados. Nelas ficavam os cadernos,
caneta, lápis, apontador, borracha e livros. Todo material ficava exposto,
disponível, acessível a quaisquer pessoas. E eu nunca soube de que alguém tenha
sido surrupiado de algum objeto na sala de aula. Existia uma lei não escrita, mas
respeitada por todos, “ninguém tem direito de mexer ou apropriar-se
das coisas alheias”. É roubo, é crime. Estes princípios de conduta forjaram
o nosso caráter.
Falei em
livros, mas quase não tive nenhum, a grana era pouca. A exceção ficava por
conta dos livros de Português de Domingos Paschoal Cegalla, essencial e
indispensável para acompanhar os Professores Padre Geraldo e depois o Ubirajara
Pinto de Deus. Até que eu gostaria de ter os livros de Química do Victor Nehmi ou os de Física da Beatriz Alvarenga, mas só tive acesso a
eles através de empréstimos dos amigos e colegas de classe.
E quando
chegamos ao Ginásio Agrícola de Rio
Pomba, o Wilton Celso, irmão do Márcio, já estudava lá desde 1963. Pioneiro,
da primeira turma a fazer o ginasial completo.
E a vida vai
fazendo as ligas, amarrando as pontas, tecendo laços e entrelaços. O Wilton
Celso, na sua classe, tinha como um dos amigos o Rômulo Vieira da Costa, o
Rominho, um carioca que morava no bairro Bangu, bom de bola, batuque e prosa.
Era o baterista do Conjunto Happy Boys
e ritmista na Mocidade Independente de
Padre Miguel. Jogava de médio volante na seleção da Escola, formando o meio
de campo com o Caburito (José de
Alencar Carvalho) e o Pelezinho
(José Roberto Carvalho Campos).
E na Escola
tinha os grupos, as panelinhas. E o Rominho, carioca bom de papo, tinha a sua
panelinha. Márcio Evandro e eu fazíamos parte dela. Ser amigo de um “veterano”,
era ter um protetor, livrava os calouros de “builling”, palavra que nem existia
naquela época, mas já era praticado.
Após o almoço,
muitos alunos iam para a beirada da estrada, debaixo do bambual, esperar as
aulas da tarde. Ouvir as historietas do Rômulo. Tendo sorte podia-se assistir a
negra Catarina desfilando pela estrada sob juvenis assobios testosterônicos. De
vez em quando, o Rominho batucava na áspera e espinhosa casca de bambu, tirando
sons como se fosse toda a bateria de uma escola de samba.
Nos finais de
semana em que íamos à cidade, o Rominho nos levava para lanchar na casa de seus
tios, os pais do João Doido e Angélica, que moravam num casarão na Praça Principal.
E sempre tinha bolo, pão, manteiga, presunto, café-com-leite, para matar a
nossa fome.
O Márcio
Evandro era bom aluno e bom de bola. Talvez, inspirado pelo Rômulo jogava de médio-volante.
Tinha raça, passava bem, chutava forte e cobrava faltas com perfeição. Era
titular da seleção infanto-juvenil do GARP,
fazendo meio-campo com o Luiz Américo e Waldir Bonato (Caburito), tendo na zaga
o Zé Luiz de Mercês, os craques do time mirim.
Na Escola
tinha uns modismos que mudavam com tempo. A febre no segundo semestre de 1968
era jogar baralho, no ano da nossa formatura em Mestre Agrícola. O carteado
embora proibido corria solto pelos cantos e recantos da Escola. Tinha a
inocente “Bisca de Rela”, o
malicioso e bem caipira “Marimbo” e
o “Sete e Meio”, um verdadeiro jogo de
azar, pois só tem graça se jogá-lo apostando.
E o Márcio
Evandro mais o saudoso Tampinha (José
Fernandes da Silveira) e eu invernamos nos recônditos da escola para a pervertida
jogatina. Quem sabe as regras deste jogo sabe que no caso de empate, vence a
banca. E só se adquire a banca quem fizer o “Sete e Meio Real” formado pelas cartas Sete e Rei de Ouros. Às
vezes, se combinado antes, pode-se considerar para ganhar a banca um Sete e
Meio feito com um Sete e uma Figura (K, Q,
J). Pura convenção e combinado não é caro.
E num dia de
uma sorte absurda eu ganhei todas as rodadas do Márcio Evandro. E no desvario
que o jogo provoca fomos aumentando as apostas, dobrando, repicando. E confirmando
as probabilidades no final a banca sempre ganha.
Passava a
banca para o Márcio mesmo sem ele ter feito o Sete e Meio Real para ele ter a
oportunidade de ganhar a rodada no caso de empate. E mesmo assim ele continuava
perdendo. O Tampinha, caboclinho esperto de Inhapim, retirou-se do jogo. Ficamos,
Márcio e eu, numa disputa mano-a-mano. E as apostas só subindo de valor. A
última cartada valia o terno de formatura. Eu ganhei. O Márcio nunca me pagou e
nem eu fiz questão de receber. Nenhum de nós dois tínhamos recursos financeiros
para pagar uma aposta de tão alto valor. E nunca mais tocamos neste assunto.
O Márcio
Evandro terminou o Mestre Agrícola, mas não deu continuidade no curso de
Técnico Agrícola, recém-aberto, iniciado em 1969. Somente uns 10 anos depois
nos reencontramos, casualmente, numa assembleia de consórcio de carros na Concessionária Arthur Haas em Belo
Horizonte. Trocamos rápidas e breves palavras sobre as nossas vidas na última
década. Faltaram assuntos que eram fartos antigamente. E seguimos nossas vidas.
Em 2016, junto
com o Cacá (Carlos Eugênio Martins), procurando reunir um encontro dos alunos
das turmas de 1965, 1968, 1971 e 1972 localizei notícias do Márcio Evandro em
Brasília, aonde chegou a ser Secretário de Obras no Governo do Distrito Federal
e destacado dirigente do PSDB local.
Consegui o número
do seu telefone. Ele foi adicionado no
WhatsApp, ao Grupo “Pintos de Granja”.
De vez em quando ele aparece e de vez em quando ele some.
E é aí que o
inexplicável busca explicações. Estava escrevendo sobre o Márcio Evandro e de
repente pularam dentro do meu texto, amigos sexagenários que se dirigiam a um
Encontro em Várzea da Palma. Amigos e colegas, alguns que não se viam há mais
de meio de século. E eles intrometeram-se na história. E não fiquei triste,
alegre fiquei.
Encontros
Carpianos
Tentarei
explicar melhor. No dia 12/07/2019, uma sexta-feira, Lourdes e eu fomos a Várzea da Palma participar da
confraternização promovida pelo casal Marilu e Bomtempo (Batatão). E coloquei
no roteiro uma parada em Cordisburgo para conhecer o Museu Casa Guimarães Rosa.
A visita foi ciceroneada
por um jovem do grupo de Contadores
de Estórias Miguilim. São estudantes da comunidade cordisburguense que contam um pouco da
biografia de Guimarães Rosa e narram e encenam de trechos dos seus livros.
Durante a
visita, encontrei-me com o Coordenador do Museu, Ronaldo Alves de Oliveira,
Historiador e Pedagogo. Aproveitei para elogiar esta trincheira da nossa
cultura que preserva a memória de um dos maiores escritores de todos os tempos.
Aproveitei
para indagar ao Ronaldo se ele conhecia o Márcio Evandro e o seu irmão Wilton
Celso. Expliquei-lhe que estudamos em Rio Pomba nos idos de 1965/1968. O
Ronaldo lembrava-se deles e do pai comerciante, mas disse que eles estavam
morando em Brasília. Havia muito tempo que não os via.
Encerrada a proveitosa
visita, retornei à estrada, a caminho de Várzea da Palma. Mais uns 186 km me
esperavam pela frente.
E assim como
eu, outros ex-alunos andaram quilômetros e mais quilômetros só para encontrar
por alguns momentos com amigos desaparecidos na estrada do tempo, na poeira da
vida, por mais de 50 anos. Encontrar, contar, recontar, as mesmas e repetidas
histórias, pronunciadas por bocas amigas. Ouvindo as velhas cantilenas, como se
fosse novidades, notícias de primeira mão. E como eles já adentraram estas
tortuosas linhas, o melhor que eu posso fazer é dar-lhes voz, dar-lhes abrigo.
E vieram CARPIANOS
de diversos pontos do país. O piraubense
Dilermando Duarte Álvarez Vieira saiu de Bom Jesus, no Piauí, andou uns 1.345 km. O mercesano Luiz Fernando Homem de Carvalho, mais conhecido por
Carretão, veio de Rondonópolis, no Mato Grosso, de avião e carro, rodou uns 1.316 km. O carioca Rosemberg Martins e agora mineiro por decreto CARPÌANO,
viajou 741 km. O juizforano Calado, que não perde uma
farra por nada, veio de Vila Velha, no Espírito Santo. Dirigiu uns 826 km.
O belohorizontino Eduardo Ivan Riccaldone, o Careca,
deslocou-se de Jacinto, andou uns 759 km.
De Rio Pomba, os nativos José
Soares Furtado (Dezinho) e Luiz Gonzaga Alves (Pelinha) viajaram 540 km. Pertinho deles, um pouquinho à
frente, andando 570 km, veio de Santana
do Campestre o craque futebolístico o Waldir Bonato (Caburito). O rodeirense Cacá veio de Juiz de Fora,
uns 565 km.
O Clóvis saiu de Carandaí,
distante 432 km. O João Baiano,
vindo de Janaúba, percorreu 340 km. De
Belo Horizonte viajaram o piraubense
Ronaldo (Holandesa), o limaduartino
Valdir Moreira Campos, o sandumonense Fábio (Girafa), o
tocantinense Manoel Navarro e os guidovalenses Luiz Américo Ferreira e
Ildefonso Dé Vieira e rodaram, em torno de, 308 km. O Fernando (Guarani) saiu de Contagem, andou 299 km.
O rodeirense Cayle deslocou-se de Diamantina,
distante uns 266 km. O guidovalense Felício Siqueira saiu de
Sete Lagoas, guiou 243 km. O José
Xavier Gonçalves (Zezinho Boquinha) reside em Brasília de Minas, rodou 210 km.
O barbacenense José Márcio Vargas Liguori
(Fazendeiro), o São-Joanense Osmar Valentim Gouveia Filho (Cebolinha) e o Luiz
Alberto Palma (Pisca), vieram de Pirapora e andaram uns 42 km. Somei na ponta do lápis, foram 10.966 km rodados.
O aquecimento
do Encontro ocorrreu já na noite de sexta-feira. A turma se reuniu no Bar e Restaurante Porto do Peixe pertencente
ao filho do Fazendeiro, com ótimo
atendimento, cerveja gelada, tira-gostos variados e preço justo.
O Fábio Girafa
levou o seu baú instrumental, eu ia falar “parafernália musical”, mas vai que
ele possa achar ruim. E cantaram o Calado, Pelinha, Fábio, eu e o Cayle que a
cada dia melhora a sua performance. O rapaz anda praticando voz e violão,
repertório afiado.
Interrompo a
narrativa para fazer um agradecimento público ao Mauro Sérgio Martins Calado, o
falante CALADO que me ensinou os primeiros acordes no violão lá na Escola
Agrícola. Grande culpado por eu tentar tocar violão. Continuando o caso...
No dia
seguinte, 13/07/2019, sábado, fomos recepcionados pelo casal Marilu e Bomtempo
que abriram o imenso coração, almas fraternas, e as portas da sua residência abrigando
a nós todos. Anfitriões perfeitos. Churrasco impecável, cervejas variadas e
geladas, queijos caseiros, mesa de frios, patês, pães e torradas, pingas
diversas inclusive a famosa “Havana”, ajantarado mineiro, sobremesa, doces,
bolos, caldos, sopas e o tradicional cafezinho. Tudo com fartura.
As esposas,
sempre criativas, sempre elas, inventaram um casamento do Jeca com direito a Quadrilha
e quiproquó. O Cacá encarnou um pitoresco padre alemão, o Felício um cordato sacristão
que o Cacá denominou de junctório (adjutório). Minha esposa Lourdes, a noiva,
eu a contragosto, o noivo. O Dilermando vestiu-se de mulher e desempenhou com
perfeição, a quenga, a amante. Quis
impedir o casamento, mas o Cayle armou-se da autoridade de xerife e interveio
como se fosse um coroné, chefe político do interior e obrigou a realizar a
cerimônia. O Bomtempo portou-se como um pacato Juiz de Paz.
A Adélia,
esposa do Caburito, que sabe tudo a respeito desta tradição junina, dirigiu a
encenação e orientou a jovem Ana Cláudia, filha do Fernando (Guarani), na
marcação da Quadrilha, com direito a balancê, tour, caminho da roça e anarriê.
Todos se mostraram uns verdadeiros pé-de-valsa no arrasta-pé
acontecido no Arraiá de Marilu e
Bomtempo. Aproveito para agradecer ao casal por nos ter proporcionado
momentos tão especiais em nossas vidas. Falo por mim e a Lourdes, mas creio que
falo em nome de todos que tiveram a felicidade de estarem presentes neste
Encontro.
E voltando ao
início desta crônica, relembro que o pontapé inicial foi ter visto uma
reportagem sobre a loja “Ave Palavra”
do Brasinha, na cidade de
Cordisburgo terra da Gruta de Maquiné, do fabuloso escritor João Guimarães Rosa
e do Márcio Evandro Rocha Machado. E o apelido do Márcio na Escola era Brasinha, tirado de uma revista
infantil da época onde o personagem era um diabinho implicante e possuía
generosas orelhas.
Pois é Márcio
Evandro, quando puder apareça nos nossos Encontros. Já se passaram 51 anos
desde a nossa Formatura em Mestre Agrícola em 1968, no entanto você permanece
na BOA LEMBRANÇA dos seus sexagenários amigos.
ADENDO
E na nova turma que começava o
primeiro ano ginasial tinha os meninos mineiros de Ubá (Afonso Silva, Daniel de Paula Pereira – o saudoso Didi, Luiz Antônio Barbosa Brandão, o saudoso Zé do Gora,
Eli Carlos Vieira, Francisco de Paula Soares Mól Filho, José Pereira Arruda – o
saudoso Juca
Mulato, Marcelo Teixeira Rodrigues, Mário Antônio de Oliveira Mól, o
Índio);
Desterro do Melo (Antônio Araújo
Tafuri); Tocantins (Antônio Teixeira
das Graças, o saudoso Canarinho); Rio
Pomba (Antônio Carlos Costa Soares – o Totõe Puxadinha, Antônio Carlos Pereira Mota – o Jacintinho,
José Raimundo da Silva, Reinaldo Lima Silveira, o Risadinha, Roberto Caetano Gonçalves
– o saudoso Betinho,
Sebastião Carlos da Silva); Santana do
Campestre – Astolfo Dutra (Waldir Bonato – o Caburito); Piraúba (Antônio Victor Vecchi Vieira e José da Silveira Oliveira –
o saudoso Ziquinha);
Rodeiro (Carlos Eugênio Martins – o Cacá); Mercês (Hélio Lamas de Faria, o Surubim,
José Luiz Rezende Campos, o saudoso Zé Lolois,
Paulo Francisco de Abreu – o Sá Onça); Guidoval
(Luiz Américo Ferreira, Ildefonso José Vieira, o Dé, José Tarcísio Ribeiro Pinto, o Perereca);
Inhapim (José Fernandes da Silveira,
o saudoso Tampinha);
Piracicaba (José Geraldo de Lima); Tabuleiro (José Luiz Dutra Toledo, o
saudoso Zé
Lolois); Guarani (Luiz
Antônio Dias Guadereto, o Bolão e Pedro Moreira Henriques); Araponga (Marcos Antônio Macedo – o Porém).
E os meninos
cariocas da gema do Rio de Janeiro
(David Araújo Leal, Luiz Carlos Carvalho Campos – o saudoso Zoca,
Paulo César Cavalcante Maia); e os cariocas do brejo de Juiz de Fora (José Augusto Carvalho Romano e Paulo Alexandre
Bernardes Silva – o Tupi). Tinha também o João Baiano (João Fernandes Coelho)
um maranhaense que nasceu na cidade de Carolina e hoje reside em Janaúba.
Vieram ainda,
depois, juntar-se a esta turma que formou em Mestre Agrícola em 1968 o Lincoln José Lima Campos de Patrocínio do Muriaé e o grande
zagueiro da seleção da Escola, o Mauro Cezar Souza Vieira – o Muzambinho,
de São Sebastião do Paraíso.
GORJETA
O Casório pode
ser visto YouTube: https://youtu.be/5XixNzaKOXg
Curiosidade:
Nesta crônica
foram mencionados 66 ex-alunos do Ginásio/Escola/Colégio
Agrícola de Rio Pomba
Nenhum comentário:
Postar um comentário