sábado, 12 de novembro de 2016

Professor Wilson José de Melo



Professor Wilson José de Melo

            Os mesmos alunos veteranos que fizeram questão de raspar as nossas cabeças tornaram-se nossos cúmplices e orientadores para as malandragens da Escola. Deram dicas, conselhos, ensinaram o pulo-do-gato.
            O Professor de História era o Dr. Wilson José de Melo, advogado conceituado na Comarca de Rio Pomba. Em suas aulas de História Geral nos ensinou sobre a Mesopotâmia, rios Tigre e  Eufrates, Sumérios, Assírios e Caldeus, Nabucodonosor, Babilônia, Ciro (Pérsia), Alexandre (Macedônia), Império Romano, Civilização Grega, Inca, Maia e  Asteca, Faraós, Pirâmides, Exército Mongol, Genghis Khan, Bárbaros, Visigodos e Vikings, Gregos, Troianos, Esparta, Egípcios e Romanos, Roma, Tróia, Atenas e Constantinopla.
            Apesar deste vasto conteúdo programático, explicado didaticamente com até desenhos elucidativos no quadro negro, o Dr. Wilson não corrigia as provas da maneira formal e usual. Fazia uma leitura dinâmica ou nem isso das provas e aplicava a nota que achava ser a mais justa.
            E aí é que vinha o conselho dos veteranos. Se você preencher as quatro páginas do papel almaço ganha nota boa, talvez consiga até um dez. Se não conseguir encher todas as páginas, ou seja; quanto menos páginas escrever, menor será a nota.
            E seguindo estas recomendações muitos alunos ganharam notas boas. Passaram de ano, sem estudar.
            Eu nunca soube usar da mentira. Por timidez, covardia, ou exemplos caseiros, nunca usei desse expediente para obter boas notas. Por isto ia tirando notas medianas, mas suficientes para passar de ano.
            Esta metodologia de preencher as quatro páginas de papel almaço funcionou perfeitamente no primeiro ano do ginásio, quando estudávamos "História do Brasil".
            Mas no segundo ano; Ah! o segundo ano foi diferente. A programação era "História Geral".   E antes que me reporte ao transcorrer do segundo ano ginasial, devo dizer que as aulas do Professor Wilson era um show à parte.
            Gostava de usar óculos escuros. Difundia aos alunos que conseguia ver o que ocorria na sala mesmo estando de costas para as carteiras, com o rosto quase colado ao quadro negro, enquanto ministrava as suas aulas. E nós inocentes meninos, a maioria da roça, pequenas cidades do interior, tendíamos a crer nesta esparrela.
            O fato é que o Dr. Wilson era um observador perspicaz. Percorria a sala identificando pequenos detalhes. Um aluno estava manuseando revistinhas do Carlos Zéfiro, outro estudando no livro do Domingos Paschoal Cegalla, uns e outros tagarelando, jogando conversa fora. Guardada esta informações ia para o quadro negro fazer os seus desenhos, explanar a matéria do dia. E de repente sacava, de costas para a turma: "fulano guarda esta revistinha senão eu lhe tomo e jogo fora"; "sicrano a aula é de história e não de português"; "beltrano pare de tagarelar".
            E bestificados achávamos que ele realmente estava enxergando com o auxílio dos óculos escuros. Tínhamos até uma teoria que ele refletia no quadro negro tal qual um espelho.
            Ele tinha o costume de aplicar provas simultâneas para duas turmas. Passava as questões para uma sala e depois ia para a outra, deixando a primeira sala sem ninguém tomando conta. Depois voltava e ia tomando provas, aleatoriamente, de alunos alegando que estavam colando. Mas quem é que não estava colando?
            Dizia que possuía poderes telepáticos. E nós meninos, crentes, acreditávamos. E tinha dias que antes de começar as aulas, colocava para fora da sala os mais bagunceiros, mais da metade. Dizia que era a "Turma do Tergal". A turma do "senta-levanta". Os que não paravam quietos nas suas carteiras. Na época tinha uma propaganda da TERGAL dizia que "o tecido que não amarrota".
            Dr. Wilson também criou a "Turma do Cemitério".  Era o pessoal que tinha enterrado na prova. Tirado ZERO. Era a turma que usou o recurso de "encher linguiça" para preencher as quatro páginas do papel almaço com assuntos desconexos, não relacionadas com as questões solicitadas.
            Foi o que começou a acontecer no segundo ano ginasial. E o Dr. Wilson passou a corrigir as provas tim-tim-por-tim-tim.
            E leu respostas do tipo assim: "Pelé passou a bola para o Didi, que driblou um, passou para outra jogador, e entregou a pelota para o Garrincha e...". Acontece que as perguntas eram sobre Cleópatra ou Egito ou a Mesopotâmia. Lógico que quem assim procedeu, descreveu uma partida de futebol ao invés de falar sobre a resposta de história levou ZERO, E nem podia reclamar. E foi difícil para a "Turma do Cemitério" se recuperar do ZERO recebido.
            Quase todos os alunos ficaram para a prova final. O único que passou direto sem precisar da prova final foi o Carlos Eugênio Martins, o  meu amigo Cacá de Rodeiro. Muitos ficaram para a segunda época. Alguns tiveram que repetir o ano.
            Mas  o maior ensinamento do grande e inesquecível Professor Wilson José de Melo nos deixou, além de todas as belas aulas de História Geral e do Brasil, foi a semente que ele plantou na cabecinha daqueles meninos de 12, 13, 14 anos "quando a esperteza é muita engole o esperto". Não vale a pena ser desonesto.

Eu aprendi esta lição e agradeço de público ao Professor Wilson este ensinamento.

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