quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Zé do Gora



Zé do Gora

            O ubaense Luiz Antônio Barbosa Brandão, saudoso Zé do Gora, era filho de um gerente de banco. Para os padrões da maioria dos alunos da Escola, de origem humilde, podia ser considerado rico.
            E o Zé do Gora tinha uma vida privilegiado na Escola. Quando, quase ninguém tinha grana para comprar fiado um "cigarro picado" do Hélio Lamas de Faria (Surubim), o Zé do Gora chegava toda semana com, no mínimo, um pacote de Hollywood.
            Na Escola, andar com um maço de cigarros era sinal de status. Pitava-se em três etapas. Fumava a primeira parte, em torno de dois terços, ou até menos da metade. Aí o cigarro virava guimba. E sempre tinha um aluno, um amigo que já tinha pedido a "binga", essa era a palavra usada. Este um terço de cigarro, depois, se transformava num pequeno toco denominado por "sub". E um outro aluno fumava este restinho de nicotina.
            No caso do Zé do Gora ele já tinha definido que se o Luiz Américo Ferreira estivesse por perto a "binga" seria dele. Às vezes o Luiz Américo nem estava com vontade de fumar, mesmo assim dava um ou dois tragos e passava a outro a "sub.
            O Zé do Gora era fã do, bom de bola e de caráter, Luiz Américo. Mas quem não era fã do Luiz Américo? Eu, por exemplo, era e continuo admirá-lo. Tenho a honra de tê-lo como amigo e conterrâneo.
                No refeitório ter a possibilidade de sentar junto do Zé do Gora era garantia de ter uma fatia de KITUT, um enlatado de carne de boi prensada, que ele trazia de casa, e distribuía "irmãmente" entre os seis alunos da mesa.  Um bom adjutório,subterfúgio para aguentar, por vezes, a comida ruim do dia. Algumas vezes obtive esta benesse do amigo Zé do Gora.
            Raras pessoas tinham um rádio na Escola. O Batatão (Francisco Bomtempo) fez até pose para fotografia com o seu possante de estimação. O Zé do Gora também tinha um poderoso rádio Philco. Nele, escutávamos memoráveis partidas de futebol. Era só por a imaginação a funcionar e víamos o Santos de Pelé e Cia. O meu Flamengo de Fio Maravilha, Doval, Carlinhos, Almir Pernambucano, Silva, Reyes, Onça, Manicera, Rondinelli (Deus da Raça)  e Zico. O Fluminese do Cacá com Félix, Altair , Marco Antônio, Procópio,  Denílson, Flávio , Cafuringa, Samarone, Amoroso, Gílson Nunes. O Vasco da Gama do Zé do Gora com Andrada, Brito, Fontana, Lorico, Célio, Valfrido, Alcir Portela, Danilo Menezes, Saulzinho, Bianchini.
            Nos jogos à noite fugíamos do quarto e íamos ouvir as partidas atrás do dormitório. Narrações emocionantes de Jorge Curi e Waldir Amaral com os preciosos comentários de João Saldanha e Luiz Mendes.
            Tínhamos a cumplicidade dos guardas de alunos para este deslize desde que não perturbássemos o sono dos outros alunos que não gostavam de futebol.
            Nesta época, de 1965 a 1972, foi um dos piores períodos do Vasco do Gama, mesmo assim o vascaíno Zé do Gora não enjeitava nenhuma aposta. E o danado tinha sorte, mesmo com o Vasco ruim das pernas, quando ele apostava o seu time ganhava.
            Meu avô paterno, Marcílio Vieira, dizia que "chuva gosta de molhado" e "dinheiro de quem dinheiro". Acho que era por isto que o Zé do Gora ganhava a maioria das apostas.
            No seu poderoso rádio ouvíamos o programa de Hélio Ribeiro um dos maiores radialistas de todos os tempos. Chico Anysio prestou-lhe uma homenagem quando criou o personagem Roberval Taylor.
            Além de uma bela voz, Hélio Ribeiro fazia versões livres das músicas estrangeiras que estavam no auge do sucesso. Recitava poesias e lia frases próprias e de autores famosos. Um exemplo apenas: "Infeliz daquele que pensa que limpa o jardim da sua casa jogando sujeira no jardim do vizinho."
            Por mais que eu queira explicar ou descrever o programa do Hélio Ribeiro não conseguirei. Só ouvindo-o. Hoje na internet é possível acessar programas que ele apresentou. É só recorrer, como sempre, ao Google.
            Ansioso, mesmo sendo bom aluno, o Gora entrava em pânico em algumas provas, principalmente na matéria Desenho lecionada pelo Brandão. E nestas ocasiões, durante a prova, dizia que tinha orgasmos. De nervosismo. Acreditem se quiser.
            A última vez que vi o Zé Gora foi em 1973 num Festival Ubaense de Música Popular (FUMP). Eu mandei três músicas para concorrer. Todas elas se classificaram. Acho que tinham poucos concorrentes. Escassez de compositores. Como trabalhava na CEMIG, em São João del Rei, pedi para apresentar as três canções no mesmo dia.
            Uma das músicas que eu botava fé era "Andorinha", um belo poema do conterrâneo José Geraldo que eu musiquei. E fui para o palco. Cantei a primeira. Mais à frente cantei a segunda. Quando me chamaram para interpretar a terceira música a plateia impaciente, entre apupos, gritou "DE NOVO?"
            Fiquei intimidado, errei a letra, me confundi. Um desastre. Mesmo assim uma das músicas classificou para a finalíssima, com direito a filmagem pela TV Alterosa, gravação em videotape que sumiu no tempo.
            Mas o que eu queria narrar é o meu último encontro com o Zé do Gora. Assim que terminei a minha apresentação no palco do Tabajara Esporte Clube, ele invadiu o palco, me abraçou, me beijou, me levantou, me sacudiu, rodopiamos. Vibramos como se eu tivesse marcado um gol de placa.
            Esta é a última lembrança que guardo do Zé Gora. E me emociono.
  
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Programa Hélio Ribeiro
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Rádio Hélio Ribeiro
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