Zé
do Gora
O ubaense Luiz Antônio Barbosa Brandão, saudoso Zé do
Gora, era filho de um gerente de banco. Para os padrões da maioria dos alunos
da Escola, de origem humilde, podia ser considerado rico.
E o Zé do Gora tinha uma vida privilegiado na Escola. Quando,
quase ninguém tinha grana para comprar fiado um "cigarro picado" do
Hélio Lamas de Faria (Surubim), o Zé do Gora chegava toda semana com, no
mínimo, um pacote de Hollywood.
Na Escola, andar com um maço de cigarros era sinal de
status. Pitava-se em três etapas. Fumava a primeira parte, em torno de dois
terços, ou até menos da metade. Aí o cigarro virava guimba. E sempre tinha um
aluno, um amigo que já tinha pedido a "binga", essa era a palavra usada. Este um terço de cigarro,
depois, se transformava num pequeno toco denominado por "sub". E um outro aluno fumava este
restinho de nicotina.
No caso do Zé do Gora ele já tinha definido que se o Luiz
Américo Ferreira estivesse por perto a "binga" seria dele. Às vezes o Luiz Américo nem estava com vontade
de fumar, mesmo assim dava um ou dois tragos e passava a outro a "sub.
O Zé do Gora era fã do, bom de bola e de caráter, Luiz
Américo. Mas quem não era fã do Luiz Américo? Eu, por exemplo, era e continuo
admirá-lo. Tenho a honra de tê-lo como amigo e conterrâneo.
No refeitório ter
a possibilidade de sentar junto do Zé do Gora era garantia de ter uma fatia de
KITUT, um enlatado de carne de boi prensada, que ele trazia de casa, e distribuía
"irmãmente"
entre os seis alunos da mesa. Um bom adjutório,subterfúgio
para aguentar, por vezes, a comida ruim do dia. Algumas vezes obtive esta benesse
do amigo Zé do Gora.
Raras pessoas tinham um rádio na Escola. O Batatão (Francisco
Bomtempo) fez até pose para fotografia com o seu possante de estimação. O Zé do
Gora também tinha um poderoso rádio Philco. Nele, escutávamos memoráveis partidas
de futebol. Era só por a imaginação a funcionar e víamos o Santos de Pelé e Cia.
O meu Flamengo de Fio Maravilha, Doval, Carlinhos, Almir Pernambucano, Silva, Reyes,
Onça, Manicera, Rondinelli (Deus da Raça)
e Zico. O Fluminese do Cacá com Félix, Altair , Marco Antônio,
Procópio, Denílson, Flávio , Cafuringa,
Samarone, Amoroso, Gílson Nunes. O Vasco da Gama do Zé do Gora com Andrada, Brito, Fontana,
Lorico, Célio, Valfrido, Alcir Portela, Danilo Menezes, Saulzinho, Bianchini.
Nos jogos à noite fugíamos do quarto e íamos ouvir as
partidas atrás do dormitório. Narrações emocionantes de Jorge Curi e Waldir Amaral
com os preciosos comentários de João Saldanha e Luiz Mendes.
Tínhamos a cumplicidade dos guardas de alunos para este
deslize desde que não perturbássemos o sono dos outros alunos que não gostavam
de futebol.
Nesta época, de 1965 a 1972, foi um dos piores períodos
do Vasco do Gama, mesmo assim o vascaíno Zé do Gora não enjeitava nenhuma
aposta. E o danado tinha sorte, mesmo com o Vasco ruim das pernas, quando ele
apostava o seu time ganhava.
Meu avô paterno, Marcílio Vieira, dizia que "chuva gosta
de molhado" e "dinheiro de quem dinheiro". Acho que era por isto
que o Zé do Gora ganhava a maioria das apostas.
No seu poderoso rádio ouvíamos o programa de Hélio
Ribeiro um dos maiores radialistas de todos os tempos. Chico Anysio prestou-lhe
uma homenagem quando criou o personagem Roberval Taylor.
Além de uma bela voz, Hélio Ribeiro fazia versões livres
das músicas estrangeiras que estavam no auge do sucesso. Recitava poesias e lia
frases próprias e de autores famosos. Um exemplo apenas: "Infeliz daquele que pensa que limpa o
jardim da sua casa jogando sujeira no jardim do vizinho."
Por mais que eu queira explicar ou descrever o programa
do Hélio Ribeiro não conseguirei. Só ouvindo-o. Hoje na internet é possível
acessar programas que ele apresentou. É só recorrer, como sempre, ao Google.
Ansioso, mesmo sendo bom aluno, o Gora entrava em pânico
em algumas provas, principalmente na matéria Desenho lecionada pelo Brandão. E
nestas ocasiões, durante a prova, dizia que tinha orgasmos. De nervosismo. Acreditem
se quiser.
A última vez que vi o Zé Gora foi em 1973 num Festival Ubaense de Música Popular (FUMP). Eu mandei três músicas para
concorrer. Todas elas se classificaram. Acho que tinham poucos concorrentes.
Escassez de compositores. Como trabalhava na CEMIG, em São João del Rei, pedi
para apresentar as três canções no mesmo dia.
Uma das músicas que eu botava fé era
"Andorinha", um belo poema do conterrâneo José Geraldo que eu
musiquei. E fui para o palco. Cantei a primeira. Mais à frente cantei a
segunda. Quando me chamaram para interpretar a terceira música a plateia
impaciente, entre apupos, gritou "DE
NOVO?"
Fiquei intimidado, errei a letra, me confundi. Um desastre.
Mesmo assim uma das músicas classificou para a finalíssima, com direito a
filmagem pela TV Alterosa, gravação em videotape que sumiu no tempo.
Mas o que eu queria narrar é o meu último encontro com o
Zé do Gora. Assim que terminei a minha apresentação no palco do Tabajara Esporte Clube, ele invadiu o
palco, me abraçou, me beijou, me levantou, me sacudiu, rodopiamos. Vibramos como
se eu tivesse marcado um gol de placa.
Esta é a última lembrança que guardo do Zé Gora. E me emociono.
LINKS para:
Programa Hélio Ribeiro
http://www.helioribeiro.com/v4/
Rádio Hélio Ribeiro
http://www.helioribeiro.com/radio/
Nenhum comentário:
Postar um comentário