sexta-feira, 11 de novembro de 2016

VISTO do Padre Geraldo Magela



VISTO do Padre Geraldo Magela

                        Na primeira aula de português, entrou na sala o Padre Geraldo Magela. Na verdade, ex-padre, baixinho, gordo, bem moreno, cafuzo, cabelos pretos, calva luzidia, óculos com aro de tartaruga, passos miúdos e rápidos. E fez a primeira chamada. Estávamos ainda conhecendo os colegas de classe; alguns, depois, amigos para o resto da vida.
            O primeiro da lista era o Afonso Silva, de Ubá, irmão da Marina, a primeira paixão do Eli Carlos Vieira. Após a chamada, Padre Geraldo, passou uma folha de papel almaço para cada aluno e pediu para fazer uma redação. O tema era livre. E mais não disse.
            Não lembro mais sobre o que escrevi, mas sei que utilizei a minha caneta de cor vermelha. Eu que nunca, antes, tivera uma caneta desta cor achei que era a oportunidade para fazer uso dela. E fiz a minha redação. Devo ter cometidos erros de concordância, ortografia, pontuação. Pode ter faltado coesão, coerência, princípio, meio e fim. Mas cumpri o que me foi solicitado pelo professor. Eu já tinha cursado o primeiro ano ginasial em Guidoval e passado para a segunda série. Estava repetindo de ano por causa da importância que meu pai viu na Escola Agrícola de Rio Pomba. E os pais têm sempre razão. Eu era, portanto, um aluno veterano no primeiro ano. Devia saber escrever alguma coisa.
            Na aula seguinte o Padre Geraldo trouxe as redações corrigidas. As notas variavam. Ninguém obteve a nota máxima, mas conseguiram os seus primeiros árduos pontos, na matéria que era o terror dos alunos. Os veteranos já tinham nos avisado que não teríamos moleza com o Padre Geraldo. A nota de destaque ficou para o Eli que sempre foi bom em "português".
            Acontece que a minha redação não tinha nota, nenhuma correção, nenhum corte, nenhuma interrogação. Só na parte de cima, do papel almaço, ao lado do título da redação estava escrito "VISTO".
            Não entendi nada. E, timidamente, fui perguntar ao Padre Geraldo o que significava o "VISTO". Ele, tranquilamente, me respondeu que a caneta vermelha era para o professor corrigir.
Custei para entender que aquele "visto" significava ZERO. Ele não disse isso explicitamente.
            Acabrunhado voltei para a minha carteira mastigando a minha primeira derrota. Nunca havia tirado um ZERO na minha vida. Foi duro me recuperar, alcançar notas para passar de ano. A média do primeiro mês foi 3 , no segundo mês 5 e no terceiro 7. Sei que no final do ano consegui ser aprovado em português, sem segunda época, mas com o trauma do "VISTO" da primeira avaliação.
            Ao longo desse tempo, mais de 50 anos, fico matutando o que faz uma pessoa dar "VISTO" a um menino de 12 anos, uma criança que nada sabia da vida. Ainda não encontrei explicação.

            Só sei que o PRIMEIRO ZERO a gente nunca esquece. E dói, até hoje.

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