VISTO
do Padre Geraldo Magela
Na
primeira aula de português, entrou na sala o Padre Geraldo Magela. Na verdade,
ex-padre, baixinho, gordo, bem moreno, cafuzo, cabelos pretos, calva luzidia, óculos
com aro de tartaruga, passos miúdos e rápidos. E fez a primeira chamada.
Estávamos ainda conhecendo os colegas de classe; alguns, depois, amigos para o
resto da vida.
O primeiro da lista era o Afonso
Silva, de Ubá, irmão da Marina, a primeira paixão do Eli Carlos Vieira. Após a
chamada, Padre Geraldo, passou uma folha de papel almaço para cada aluno e
pediu para fazer uma redação. O tema era livre. E mais não disse.
Não lembro mais sobre o que escrevi,
mas sei que utilizei a minha caneta de cor vermelha. Eu que nunca, antes,
tivera uma caneta desta cor achei que era a oportunidade para fazer uso dela. E
fiz a minha redação. Devo ter cometidos erros de concordância, ortografia,
pontuação. Pode ter faltado coesão, coerência, princípio, meio e fim. Mas
cumpri o que me foi solicitado pelo professor. Eu já tinha cursado o primeiro
ano ginasial em Guidoval e passado para a segunda série. Estava repetindo de
ano por causa da importância que meu pai viu na Escola Agrícola de Rio Pomba. E os pais têm sempre razão. Eu era,
portanto, um aluno veterano no primeiro ano. Devia saber escrever alguma coisa.
Na aula seguinte o Padre Geraldo
trouxe as redações corrigidas. As notas variavam. Ninguém obteve a nota máxima,
mas conseguiram os seus primeiros árduos pontos, na matéria que era o terror
dos alunos. Os veteranos já tinham nos avisado que não teríamos moleza com o
Padre Geraldo. A nota de destaque ficou para o Eli que sempre foi bom em "português".
Acontece que a minha redação não
tinha nota, nenhuma correção, nenhum corte, nenhuma interrogação. Só na parte
de cima, do papel almaço, ao lado do título da redação estava escrito "VISTO".
Não entendi nada. E, timidamente, fui
perguntar ao Padre Geraldo o que significava o "VISTO". Ele, tranquilamente, me respondeu que a caneta vermelha era para o professor corrigir.
Custei
para entender que aquele "visto" significava ZERO. Ele não disse isso
explicitamente.
Acabrunhado voltei para a minha
carteira mastigando a minha primeira derrota. Nunca havia tirado um ZERO na
minha vida. Foi duro me recuperar, alcançar notas para passar de ano. A média
do primeiro mês foi 3 , no segundo mês 5 e no terceiro 7. Sei que no final do
ano consegui ser aprovado em português, sem segunda época, mas com o trauma do "VISTO" da primeira avaliação.
Ao longo desse tempo, mais de 50
anos, fico matutando o que faz uma pessoa dar "VISTO" a um menino de 12 anos, uma criança que nada sabia da
vida. Ainda não encontrei explicação.
Só sei que o PRIMEIRO ZERO a gente nunca
esquece. E dói, até hoje.
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